domingo, 11 de julho de 2010

Roberto Piva - Por Patrícia Palumbo


Morreu o poeta Roberto Piva. Foi no sábado, dia 03, aos 72 anos. Fiquei sentida.
Seus livros fizeram parte da minha formação e da minha ligação com São Paulo quando eu era ainda uma menina e a cidade era atraente e repugnante ao mesmo tempo. Tenho dele uma lembrança nublada e divertida. Ricardo Braga, meu namorado, pai da minha filha e nessa época também poeta, me levou ao acontecimento literário mais importante de 1984: a leitura do Uivo de Allen Ginsberg por Claudio Willer.
Foi no Madame Satã. Willer foi o primeiro tradutor desse ícone da poesia beat norte-americana e a noite reunia a nata da intelectualidade marginal, poetas, boêmios, jornalistas, artistas plásticos, uma loucura!
O poema é imenso, todos sabem, e a leitura tinha um clima ritualístico, de cerimônia para iniciados que pra mim era extremamente sedutor. O jornalista Marcos Faerman, meu ídolo, emocionadíssimo, aos prantos…
A uma certa altura entra alucinado Roberto Piva acompanhado de um lindo jovem loiro. E rodando pelo salão, sempre atrás do rapaz que também não parava quieto, gritava: “encontrei meu Rimbaud!” Sem parar! O menino não estava nem aí pra Willer, Ginsberg, Uivo, poesia beat. Queria balada. Piva queria ele. O rapaz se entendiou e foi embora com amigos. Piva ficou ainda mais doido, gritava e chorava “meu Rimbaud, meu Rimbauzinho…”
Marcão, gaúcho, envolvidíssimo com o poema, ficou puto, levantou o Piva do chão e gritou ainda mais alto: “Não tá vendo, sua bicha, que o michê te largou aqui! Cala tua boca! É o Uivo, porra!!!”
Choramingando por seu Rimbauzinho, Piva sentou num canto e ouviu o poema até o fim.
Foi genial! Intenso! Maluco! Totalmente Roberto Piva. Romântico e desesperado.

Lamento sua morte e ainda mais o desconhecimento de sua obra.
Coloco aqui um dos seus poemas mais importantes pra mim e que revela um pouco do seu autor. Piva andava pelas ruas de São Paulo sempre com um livro, sempre disposto a citar um poema, a criar algo novo.
Vamos ler Roberto Piva.

PRAÇA DA REPÚBLICA DOS MEUS SONHOS
Roberto Piva

A estátua de Álvares de Azevedo é devorada com paciência pela paisagem
de morfina
a praça leva pontes aplicadas no centro de seu corpo e crianças brincando
na tarde de esterco
Praça da República dos meus sonhos
onde tudo se faz febre e pombas crucificadas
onde beatificados vêm agitar as massas
onde García Lorca espera seu dentista
onde conquistamos a imensa desolação dos dias mais doces
os meninos tiveram seus testículos espetados pela multidão
lábios coagulam sem estardalhaço
os mictórios tomam um lugar na luz
e os coqueiros se fixam onde o vento desarruma os cabelos
Delirium Tremens diante do Paraíso bundas glabras sexos de papel
anjos deitados nos canteiros cobertos de cal água fumegante nas
privadas cérebros sulcados de acenos
os veterinários passam lentos lendo Dom Casmurro
há jovens pederastas embebidos em lilás
e putas com a noite passeando em torno de suas unhas
há uma gota de chuva na cabeleira abandonada
enquanto o sangue faz naufragar as corolas
Oh minhas visões lembranças de Rimbaud praça da República dos meus
Sonhos última sabedoria debruçada numa porta santa

2 comentários:

  1. Gostei do blog! Ótema iniciativa!!! Vou seguir... Bjus.

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  2. Olá Ivani, recebi um e-mail enviado pela Carla Borges, amiga de Santo André e vim visitar seu blog. Ótimo. Também tenho um que, devido aos muitos afazeres, passei a tocar em conjunto com amigos e amigas jornalistas. Caso tenha um tempinho, faça-me uma visita, ficarei envaidecido. Estou seguindo seu blog!

    Abraços...

    Edward de Souza

    ResponderExcluir

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